
Howard Zinn. Ninguem é neutral num comboio em marcha.
É totalmente certo, meu passo pola Faculdade de História nom foi sem pena nem gloria, foi com mais pena que glória, umhas dificudades enormes para a memorizaçom fizeram que aquelas cadeiras que menos me interessavam, ao mesmo tempo aquelas que mais exercício de memorizaçom requeriam, fizeram-se infinitas e a sua superaçom adquirira categoría de odisseia. Mas a culpa de que a pena superara por goleada a glória nom foi minha, em exclusividade, senom dumha legiom de impedidos para trasmitirem conhecimento e amontrarem como interessante algo que deveria sê-lo, a História. Umha vez lim umha cousa, nom lembro onde, já a avisei que se se me exige memória mal imos, com a que concordo ao cento por cento, vinha a dizer que a História deveria ser umha novela verdadeira e nom umha verdadeira novela, bom, a segunda das opçons se fizer com jeito seria inclusive divertida mas o ótimo seria o primeiro. E voltamos ao eterno equilíbrio entre fondo e forma, acho que as Faculdades do mundo enteiro estám cheias de professores, historiadores, ensaístas, ou comunicantes de dogmas, que devido a que erram brutalmente na forma, fazem que o fondo se transforme em mui pouco interessante. Polo menos para a gente normal, de certeza que entre os parceiros de gabinete e alguns alunos feladores tenhem seu sucesso.
Admiro profundamente a aqueles escritores e escritoras que som capazes de transmitirem de jeito interessante e entretido, sem cairem nas violentas garras da erudiçom esteril, é por isso que desde hai uns anos sinto-me atraído por Howard Zinn, uma pessoa que conta e escreve a história como quase ninguém faz. Olhem o que manifestou por ejemplo no número 11 da revista Ladinamo, numha entrevista conduzida polo Isidro López: “Tanto a ficçom como a história podem ser úteis politicamente. A ficçom tem a qualidade de prestar às ideais umha intensidade apaixonada. Na ficçom também se podem imaginar outros mundos diferentes, quando um se cinge aos dados nom se pode permitir este tipo de imaginaçons. Por outra parte, ao utilizar a arte com intençons políticas sempre se corre o risco de incurrer em esquematismos. O melhor jeito de evita-lo e procurar formas de expressom o mais humanas possíveis, descrever a realidade inclusive se nom se ajusta ao que um acha que deveria ser e narrar a traves de personagens e relaçons complexas” . Concordo ao cento por cento, imaginem ao J. Kennedy Toole a escrever sobre História, para mim seria como tomar um copo de sumo de ananás com a Julieta Venegas, é dizer, perderia estabilidade, cairia de cú.
Antes de mais, este texto vai consistir basicamente na resenha de tres dos quatro livros que foram editados por Hiru , um bonito relato sobre a visita de H.Zinn a Cuba, escrita por Santiago Alba Rico e roubado da revista Ladinamo numero 11, e umha breve resenha biográfica sobre o “historiador do povo”. Fiquem atentes ao que está por vir, seu último projecto, “The People Speak” cujo trailer já se pode visionar em howardzinn.org, que de certeza que será umha dos filmes documentais mais formosos dos ultimos tempos, e dos mais incómodos para os guardiáns da história tradicional.
“Ninguem é neutral num comboio em marcha”, é o titulo do primeiro livro que lim de Howard Zinn, em si próprio já é uma declaraçom de principios, de que se trata? Pois a qualificaçom do próprio autor deixa-o bem claro, denomina-o como “História pessoal do nosso tempo”, basicamente através da sua pessoa narra as diferentes experiências vitais deste luitador social,revolucionário, historiador, dramaturgo....
Ia empregar a palavra intelectual para denominá-lo mas acho que concordo, em termos gerais, como a opiniom de Santiago Alba Rico sobre esse termo e o que representa: “(...)nom acredito-nom-nos intelectuais. Acho porém que a sociedade presente está disposta de tal modo que a sua intervençom nos asuntos públicos e mais daninha que beneficiosa. Acho que fazem mais em favor dessa concreta disposiçom das cousas que na sua contra. (...) . Acho que nom se pode falar de intelectuais sem autodenunciar a própria comodidade, o próprio narcisismo, as modestas vantagens que presupom e que um obtem por pequena que for a nossa estatura-do facto de trabalhar e luitar com a pena e nom com as maos”. Mas é evidente que neste sentido nada se lhe pode recriminar ao Howard Zinn, tal vez seja um intelectual doutro tempo, já que tomou partido, até se manchar, em muitas das luitas do tempo que lhe tocou viver, e assim a través da sua pessoa conhecemos de primeira mao muitos dos episódios mais importantes da história dos EUA.
Howard Zinn cresceu num bairro de classe obreira em Brooklyn, desde bem novo tivo que buscarse a vida, começou a trabalhar construindo barcos de guerra e naves de desembarco ao começo da segunda Guerra Mundial e posteriormente alistou-se nas Forças Aéreas, facto este que o levou a voar em missons de combate à Europa e que faria que alguns anos depois que se fizesse certas perguntas “inquietantes” sobre a sua participaçom no combate.
Seu primeiro trabalho como professor de “verdade” foi numha comunidade negra do Sul Profundo, lá luitou já desde um primeiro momento contra a segregaçom racial, essa nom foi a sua única luita, também participou activamente na luita contra a guerra do Vietnam e outra luitas sociais que tiveram lugar no seu país. A sua actividade foi tam consequente que acabou umhas quantas vezes detido e outras tantas perante os tribunais. Tam consequente que o próprio salom da sua morada serviu em repetidas ocasións para assembleias e reunións no contexto de diversas luitas. Com a palavra, é claro, também luitou em muitos foros e lugares e com numerosos soportes, som estes episódios contados dum jeito verdadeiramente atraente, cumha voz humilde e que supura conhecimento do que se está contar.
Resulta mui complicado resumir o livro, e por conseguinte a vida de Zinn, numhas poucas linhas, ler as 281 páginas do textos fai-se a uma velocidade tremenda, quando afrontou a redacçom deste artigo sinto ganhas constantes de copiar e colar citas do mesmo, é por isso que para culminar esta breve introduçom considero oportuno reproduzir um texto, leiam e procurem no seu passado acadêmico, nas suas faculdades, nos seus liceus se ainda ficam professores como o senhor Howard. Houvo durante a luita contra a LOU um com bigode e óculos que pareceu que queria tomar partido, no entanto recitar de memória bonitas frases ouvidas no 68 ou lidas em manuais para principiantes sobre o EZLN nom é o mesmo que tomar partido de forma séria e contundente
“Nunca nas minhas aulas ocultei as minhas idéias políticas, o ódio que me inspira a guerra e o militarismo, a indignaçom que me produz a desigualdade por questons de raça, a minha fé no socialismo democrático, na distribuçom racional e justa das riquezas do mundo. Sempre declarei que odeio a arrogância baixo todas as suas formas, tanto se forem naçons fortes como febles as que adoptam e tiram proveito dela, tanto se se tratar de governos que exploram os cidadans como de empresários que exploram os trabalhadores, quer sejam de direitas ou de esquerdas, porque se arrogam ao monopólio da verdade
Esta combinaçom de activismo e ensino, esta insistência no facto de que a educaçom nom pode ser neutral nos momentos mais comprometidos do nosso tempo, este movimento pendular entre a classe e as luitas na rua de aqueles professores que esperam que os seus alunos façam o mesmo, é algo que sempre assustou os guardians da educaçom tradicional. Preferem que a educaçom se cinja a preparar a nova geraçom para que ocupe o lugar que lhe corresponde na antiga orde, nom que a ponha em quarentena.” Chapeau, nom é???
DESTAQUES
Emma ( Hiru, 2001)
Através de vários episodios da vida da anarquista norteamericana Emma Goldman, Zinn trata temas clássicos da literatura sobre a revoluçom: a solidariedade, a prisom, a luita armada, a desobediência civil e o oportunismo. Por outra banda, a figura de Emma Goldman é perfeita para falar da íntima relaçom entre as luitas obreiras e as luitas feministas a começos do século passado e da procura, que adianta os movimentos alternativos de sesenta, dumha nova cultura mais acorde com a exigência de liberdade do movimento anarquista. Todo isto dentro dum marco histórico dumha das épocas mais turbulentas que conhecérom os EUA. Durante o período que vai desde 1880 a 1929 produciu-se a maior crise de legitimidade que sofreu o capitalismo norteamericano: os grandes oligopolios, os delitos financeiros, a chegada de milhons de imigrantes europeios, a militancia revolucionária massiva e umha brutal repressom estatal e privada conformam o contexto em que se desenrola Emma.
A outra Historia dos Estados Unidos ( Hiru, 1999).
Um texto chave paraperceber as falsidades que encerra o imaginário ( nunca melhor dito ) norteamericano e modo em que os governos de EUA empregam umha versom tergiversada da história para justificar toda classe de atrocidades em meio mundo. Zinn repassa alguns episódios significativos da história do seu país que a mitologia oficial tende a ocultar, desde Cristóvao Colombo a Ronald Reagan. Mas para além disso, A outra história dos Estados Unidos pretende ser um depósito de utilidades intelectuais para os movimentos de esquerda de todo o mundo: “ Se a história tem que ser criativa – para assim antecipar um possível futuro sem se negar o passado- deveria, eu acho, centrar-se nas novas possibilidades baseándose na decoberta desses episódios esquecidos do passado em que, embora só seja em breves toques, a gente montrou umha capacidade para a resitência, para a unidade e, ocasionalmente, para a vitória”
MARX en el SOHO. tEaTrO. Howard zINn. Hiru Editorial.( Tio Marcos da Portela)
Howard Zinn força nesta peça de teatro político o regresso de Marx a actualidade. Un erro burocrático situa o filósofo no Soho de Nova York e não no londinense inicialmente previsto. O filósofo repassa ante a audiência actual a súa experiência familiar e doméstica que nos achega a un Marx pai de familia que malvive em Londres, que se enfrenta corpo a corpo com um Bakunin corsário, beodo e porcino, um Marx esposo e cidadán que avala o seu compromiso intelectual coas máis severas condicións de vida. Na obra tamén fala o filósofo que ajusta as contas com os heraldos que proclamam a morte do seu legado intelectual, com oa entusiastas que têm o vício da constataçom das próprias razons.
A peçaa presenta un duplo interesse: por umha banda mostra aspectos pouco divulgados da figura do filósofo, por outra é uma introduçom ligeira aos aspectos fundamentais do pensamento marxiano, todo isto, é claro, com a intençom estética propia do género.
Howard Zinn na Habana. ( texto: Santiago Alba Rico )
Aos 81 anos Howard Zinn visitou Cuba pola primeira vez para supervisar os ensaios da sua obra Marx no Soho e umha tarde de maio dialoga num hotel de La Habana com umha treintena e intelectuais e poetas cubanos. Zinn é um velho formoso de estirpe libertária de Thoreau e Waltt Whitman, manifesto vivo dessa outra história dos EUA da que se tem ocupado e tem nutrido a sua obra. Mui alto, mui espigado, sucinto e campestre como um pinheiro, apenas a sua acusada delgadez faz difícil conceber que na sua juventude, antes de ser historiador, ganhasse a vida como carregador no porto. Todo o demais despega e funde-se no generoso “trajin”(mexer) do sonho colectivo dos cargadores do mundo: seu vigor físico, o verbo claro da sua pedagogia militante, seu voluntarismo veterano, esse sorriso sempre encendido, entre tímido e vivo, do que aprendeu mais na briga que nos livros e que sabe que o que sabe deve-o ensinar na palma da mao. Desde trás da mesa ouve e toma um formigueiro de notas; e resposta modesto, aberto, aprendiz, intenso, insistindo na enorme eficácia do mínimo e nas colossais esperanças da paciência. A umha pergunta de Abel Prieto, brilhante escritor e Ministro de Cultura de Cuba, Howard Zinn resposta falando das suas digressons por vilas pequenas e cidades de província, apenas localizáveis no mapa dos EUA onde às vezes se reunem centos de pessoas para escuita-lo: “ Nom costumo empregar a palavra socialismo. Falo-lhes de nacionalizaçom da riqueza, do direito à educaçom e sanidade gratuitas, da luita contra o imperialismo, e todos aprovam com entusiasmo. Depois, às vezes, digo-lhes que isso é socialismo e ficam asombrados. Mas se pronuciase de entrada a palavra “socialismo” todos se assustariam e deixariam de me escuitar”
Pola noite, Zinn ceia na morada de Abel Prieto salada e polo ( pouco vegano ai), “acribillando” a perguntas ao seu anfitriom sobre as eleiçons cubanas, os programas de estudo e a liberdade de criaçom; e sorri, mentres escuita, com a ingenuidade invencível, insubornável, dum meninho difícil. Na sobremesa, servem-lhe um vasinho de rum “añejo” e ele fai umha tímida alusiom a um puro habano. O velho Howard Zinn, o historiador do povo, vira ainda mais formoso trás do grande cigarro que parece que o está fumando a ele, com as bochechas ligeiramente arreboladas polo álcool e esse sorriso limpo que agora é abertamente comprazido. E de repente descavalga da sua improvisada tradutora de inglês e sorprende a todos cumha correctíssima, lcumprida frase em castelám. Mentiria se dissesse que Zinn diz: O 11-M marca o começo do fim do império estadounidense”, porque já o dissera de manhá; ou se disser que diz “ninguem é neutral num comboio em marcha”, que é o título dum dos seus livros mais bonitos. Howard Zinn, o historiador do povo, diz mui devagar e mui singelamente: “Estou mui contente de ter vindo a La Habana”. E a intérprete traduze-o rapidamente ao inglês.
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