miércoles, 25 de febrero de 2009

ENTREVISTA a B.U.S.H


Uma demo tape, um 7", um Split, um LP, um vinil de 12 polegadas e uma turnê européia. Parece até uma banda de longa estrada mas, em pouco mais de 4 anos, o B.U.S.H. conseguiu trilhar um caminho um pouco diferente da maioria das bandas novas. Voltando a criar um hardcore com diferentes elementos musicais e estéticos, que confrontam muito da mesmice do punk atual, o B.U.S.H. é formado por Kalota (vocal), Pedro (guit), Fernando "Podrinho" (baixo) e Alemão (bateria) e continuam andando pelas ruas de São Paulo procurando algo novo para destruir.

- O B.U.S.H. faz mistura de garage dos anos 60 com skate punk, sem que isso deixe de soar hardcore. Como é viver num mar de bandas genéricas que não conseguem atribuir novos elementos a uma raiz já desgastada?

Pedro: Eu não diria que o que nós fazemos seja baseado exatamente nessa equação, apesar de é claro, termos muita influência desses dois estilos. Só não existe uma intenção deliberada de fazer uma "mistureba" desses dois gêneros ou quaisquer outros. Nós apenas fazemos o que gostaríamos de ouvir e inclusive, a maior parte das influências da banda estão bastante ligadas ao universo do que nós chamamos de punk. Do garage ao pós punk, é tudo conectado, o mesmo universo.
O que nós fazemos com as influências de antes do hardcore não é diferente do que muitas bandas do início do hardcore faziam com naturalidade, sem achar que estavam fazendo nada de extraordinário. Eram todas bandas com influências diversas e diferentes entre si que, no entanto, eram 100% hardcore por causa da maneira como entregavam a música que faziam.
Mas com o tempo, o hardcore ganhou uma fórmula e começou a ser influenciado apenas por si mesmo e quando uma banda sai desse esquema, parece que ela está ou descobrindo a América ou acha que está, pelo menos. Eu certamente não estou descobrindo nada de significativo só porque ligo um pedal fuzz por cima de uma batida rápida. O próprio Jello Biafra disse uma vez que se Holiday In Cambodia fosse lançada nos anos 90, não seria considerada punk por muita gente. E é verdade.
Podrinho: Talvez a gente possa contar em uma mão as bandas que estão fazendo algo que não seja o beabá do roqueiro. E não que tenha algo de errado nisso também. Existem muitas bandas que se criam encima de um penteado de um gênero de uma época e fazem isso com muito sucesso. O problema é quando uma cena inteira - e cena inteira geralmente não envolve ativamente muitas bandas e pessoas - fica nivelada por algum desses estilos.
Mas o que falta pra mim aqui são bandas que dão importância pra composição e harmonia, por que não é só misturar estilos e colar um riff no outro.

Pedro: Eu não colocaria as coisas desta maneira sobre o "mar de bandas genéricas", acho que seria presunçoso e valorizaria algo que eu acho um conceito meio duvidoso, que é o da "originalidade". Eu concordo que gente demais hoje em dia faz bandas apenas para reproduzir clichês, mas também acho que tentar ser original é uma besteira pretensiosa.
Mesmo entre bandas que fazem um hardcore mais "ortodoxo", existem várias que não são genéricas e colocam sua própria cara na música, mesmo sem adicionar elementos exóticos. Também não acho que a raiz esteja necessariamente desgastada. O que eu vejo como um problema é a falta de espontaneidade e de uma motivação que saia da mera reprodução e imitação. Se a banda for espontânea e acredite realmente no que está fazendo, por mais que o som em não seja muito aventureiro, ela vai ter algo a acrescentar, como muitas bandas têm.

- Eu sei que alguns integrantes da banda, especialmente o Alemão, não gostam do nome Buy Us Some Heroin. Qual o problema com ele?

Alemão: Eu não curto o nome B.U.S.H.em si, mas os nomes que vêm daí são foda. "Building Underage Support at Home", do split com o Bruce Banner , é bem MDC style. Também tem o lance para fazer as artes, acho que fica um pouco limitado, muito marcado com o nome do idiota. Parece que fica obrigatório você usar a imagem do Bush. Acho que a piada já era, mas nos dois LPs conseguimos fugir disso,
partimos para um lance mais LSD que ficou muito melhor!
Pedro: Eu também acho um nome meio ruim. Alguns problemas são a existência daquela banda horrível dos anos 90, o Bush; o fato do George W Bush estar em breve indo embora e o nome ficar datado; esse lance de nomes com siglas ser meio batido e por aí vai. Mas quando eu fui chamado para a banda, o nome já tinha sido inventado (risos).

- Mas até aí, em relação a ser datado, tem o Reagan Youth, que continua tão atual quanto B.U.S.H. poderá ser daqui a alguns anos e o Dead Kennedys, que é uma piada boa eternamente...

Podrinho: É, o nome vai continuar igual, mas acho que as artes com o Bush e os trocadilhos têm seus dias contados, se já não tiveram...

- Demorou um pouco pras pessoas "entenderem" que som o B.U.S.H. faz? Existe uma diferença nessa percepção entre os brasileiros e os europeus, por exemplo?

Podrinho: Eu já pensei nisso e nunca cheguei à conclusão de qual seria a diferença entre aqui ou lá fora. Lá fora, o punk rock foi absorvido por praticamente todos os estilos de rock e não só por tendências de moda. Tanto que grandes compositores atuais da música tiveram vários dedos dentro do punk, como o Paul Westerberg (Replacements) e o J. Mascis (Dinosaur Jr.). Isso talvez tenha levado o punk rock a um reconhecimento de nível igual a qualquer outro estilo musical, e não só como acessório à rebeldia juvenil. Aqui sempre estouram bandas de hardcore melódico, mas existe um limite onde o punk rock, do jeito que gostamos de pensar que é, chegou.

Existe todo um espaço entre música técnica e energética, entre punk rock e rock'n'roll, em que ficamos flutuando e que bate de cabeça com o que a grande maior parte do público entende como deveria ser feito hardcore. Mas ao mesmo tempo houveram vários momentos na nossa turnê que os europeus passaram essa mesma impressão. Talvez a mudança de percepção aconteça com os americanos, mas não tenho uma experiência em relação à isso.

Pedro: Não sei, é difícil saber. Na real eu fico satisfeito com os comentários das pessoas, então acho que entendendo ou não, elas gostam. Claro que tem gente que gosta de determinados elementos e procura apenas bandas que reafirmem esses elementos. No nosso caso, isso fica meio difícil, eu acho. O próprio lance das pessoas terem que "entender" o som de uma banda para poderem gostar dela já é meio babaca, na minha opinião. Existe sempre a possibilidade de alguém não entender de onde vêm nossas idéias, mas gostar assim mesmo. Ou de entender completamente, mas achar uma merda. É a vida...
E tem gente que é imbecil mesmo e realmente se sente ofendida ou ameaçada quando alguém faz algo de outra maneira. E também é ótimo expôr isso, mesmo não sendo nem de longe a nossa motivação principal para nada.

- No primeiro 7 polegadas, a maioria das letras é um amontoado de chavões punks muito bem escritos, muito bem encaixados. Letras contra a polícia, falando sobre guerra, odiando tudo. Já no "New American Century", é, basicamente, uma espécie de cartilha da destruição do império americano e algumas coisas mais divertidas, como "Eu Não Sou Skate Punk" e "Pesadelo Fetichista". No "São Paulo", o Kalota escreve sobre as particularidades da cidade de São Paulo... É possível enxergar uma linha, um "padrão" (no bom sentido), que identifique o B.U.S.H. pelas letras?
Kalota: A pergunta meio que já responde as coisas, porque cada disco teve uma temática diferente devido ao nosso momento na época. Muitas letras eu faço pra mim mesmo, é um jeito que encontro de por para fora as coisas que eu passo e a maneira que eu as enxergo.
O primeiro EP, "Buy Us Some Heroin", é um chavão completo. Por outro lado, a guerra no Iraque estava pipocando e eu queria xingar o Georginho o máximo possível... Dessa forma, acabou sendo um sentimento bem sincero. Já no "New American Century" as letras tiveram um mix e não foram focadas somente em ofender o presidente dos USA, mas em falar de outros assuntos como o comportamento das gangues, andar de skate, cidade de São Paulo, o pesadelo que tive com minha coleção de discos pegando fogo, entre outras coisas. Mas de todos os nossos discos, o "São Paulo" foi onde conseguimos expressar o que a banda realmente é, tanto nas letras como na música em si. Todos nós estávamos inspirados e concentrados nesse disco, pois sabíamos que era preciso fazer algo de impacto, era o disco que iria nos representar durante nossa tour na Europa. E confesso que quando ouvi o resultado final fiquei surpreso, acredito que esse é nosso melhor material até agora, um disco que mostra realmente a nossa cara... Sobre as letras, acho que nem preciso explicar, elas tratam dessa cidade caótica, louca, poluída, violenta, mas que ao mesmo tempo é legal às vezes.
- Justamente. As letras do "São Paulo" são muito negativas em relação à cidade. Tudo é opressivo, tem violência demais, é muito caótico... E você acaba de me dizer que São Paulo é legal ao mesmo tempo. Onde? Por que não tem um som no disco que seja um "elogio formal" a São Paulo? (risos)
Kalota: "Relação de amor e ódio com esse lugar, já tentei fugir daqui, mas sempre acabo por voltar...". Se você ler o começo da letra de "Andando pelas Ruas", vai perceber que eu gosto de São Paulo e às vezes não gosto. Não entrei em contradição na resposta, meu amigo bigodudo!
- Ok, ta certo, hehe. Muita gente ficou chocada com a psicodelia das capas do New American e do São Paulo. Gostaria que vocês comentassem o cuidado que vocês têm com a arte dos discos.

Pedro: No New American Century a gente começou a fazer música com mais sons e fazia sentido fazer uma arte com mais cores também. A coisa toda de parecer um disco de 1981 já estava ficando meio tediosa. Se eu fosse ex-membro de alguma banda hardcore do começo dos anos 80, meu ego estaria na altura do Everest, porque todo mundo homenageia essas bandas o tempo todo, incluindo nós mesmos. Portanto, também foi a minha maneira de homenagear bandas que não são tão homenageadas no nosso meio, como Love, 13th Floor Elevators, Seeds e etc... Quando elas faziam isso era a coisa mais punk a se fazer.
Veja por exemplo capas de discos pop do começo dos anos 60 e compare com a capa do primeiro LP do 13th Floor Elevators poucos anos depois. Os velhos viam aquilo e queriam agredir as pessoas, porque o mundo até essa época era monocromático, por assim dizer. Guardadas as devidas proporções, o hardcore ficou meio monocromático, então nós decidimos fazer as coisas assim para estimular um pouco os sentidos das pessoas.
Porém uma coisa importante para nós é a arte ter uma mensagem, não ser algo puramente gráfico. A capa do New American é um comentário sobre a maluquice da geopolítica atual. A capa do São Paulo é representa de maneira semelhante a loucura da megalópole. As cores e a "psicodelia" representam a imprevisibilidade, o caos (no bom e no mal sentido), outros níveis de compreensão das coisas e por aí vai. É uma moldura para os temas das músicas e das questões que passam pela nossa cabeça. O olho, que nós também sempre usamos, representa ao mesmo tempo a onipotência do dinheiro e do capital, afinal ele representa deus e está no dólar. E também, representa obviamente que nós estamos sempre sendo vigiados.
E, é claro, chama a atenção, o que é sempre bom para uma banda.

- E o que esperar da banda? Depois de serem considerados "unstoppable" pela Maximum Rock n Roll, o que vem de lançamentos e na musicalidade do B.U.S.H.?

Podrinho: Olha só, vai sair um split com o Merda pela Laja Records e nós já estamos trabalhando no nosso segundo disco. Essas músicas vão começar a aparecer nos próximos shows. Quanto a musicalidade, a gente vai continuar de onde o São Paulo parou, rocknroll, garage, fuzz e hardcore.

- Dá pra esperar o uso de instrumentos como o teclado e o metalofone, como no New American Century?


Podrinho: Sim, com certeza. Vamos continuar com o farfisa e o piano. Funcionou bem nos outros discos. Algum instrumento novo na gravação só na hora a gente vai saber.


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Daigo Oliva
http://cameragun.blogspot.com
www.daigooliva.com


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Daigo Oliva
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